domingo, 30 de novembro de 2008

195 - 12 "NEGRAS CAPAS. . . POETAS DE COIMBRA"

COIMBRA de Almeida Garrett, Antero de Quental, de
António Nobre, D.Dinis, Eça de Queiros, Luís de Camões
e de muitos outros mais . . .

ABADE DE JAZENTE(*)
ALVARENGA PEIXOTO
ALMEIDA GARRETT

ANTERO DE QUENTAL
ANTONIO AUGUSTO MENANO
ANTONIO NOBRE
CARLOS DE OLIVEIRA

FERNANDO ASSIS PACHECO
GONÇALVES DIAS
JOSÉ RÉGIO
PAULINO ANTONIO CABRAL DE VASCONCELOS(*)
PEDRO ANTÓNIO CORREIA GARÇÃO
***
ANTÓNIO AUGUSTO MENANO
Nasceu, em 1937, estudou direito
na Universidade de Coimbra.
*
I
Vou-me embora de Coimbra!
Saudades me ficam nela . . .
De Santa Clara ao Choupal
Dos Olivais à Portela.
*
Menano
" Fado de Coimbra "
*
II
O triciclo corta a chuva devagar
deixando atrás a espuma breve do esforço.
Vestido de plástico amarelo o condutor
inclina a cabeça coberta por um chapéu de palha,
cai-lhe a água sobre as mãos
fincadas no gasto guiador.
O seu mundo é o das ruas
e das praças, o suor
a escorrer nos músculos das pernas.
*
Come pouco, fuma em silêncio
enquanto está sentado, à espera
de turistas, e de velhas chinesas
que vêm do mercado.
**
ANTÓNIO AUGUSTO MENANO
"Triciclo"
*
IV

GONÇALVES DIAS
António Gonçalves Dias
Nasceu a 10 de agosto de 1823, signo de leão,
Caxias, Estado de Maranhão, Brasil.
Filho de português e mãe indígena mestiça, estudou Direito na
"Universidade de Coimbra", Portugal, 1838. . .
Patrono da "Academia Brasileira de Letras"
Estilo Romântico.
Faleceu a 03 de novembro de 1864.
*
CANTOePALAVRAS
Primeiros Cantos, 1846; Leonor de Mendonça (teatro), 1847;
Segundos Cantos e Sextilhas de Frei Antão, 1848;
Ultimos Cantos, 1851; Os Timbiras, 1857;
Dicionário da Língua Tupi, 1858; Beatriz Cenci; Boabdil; Patkul. . .
*

M
inha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam com lá.
-
Nosso Céu tem mais estrêlas,
Nossas várzeas têm mais flôres,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amôres.
-
Em cismar, sòzinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
-
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sòzinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
-
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
*
GONÇALVES DIAS
"Canção do Exilio"
( Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e Pensadores
da Língua Portuguesa ", pág. 118.
*
V

ALVARENGA PEIXOTO
Inácio José de Alvarenga Peixoto
Nasceu em 1748*, Rio de Janeiro, Brasil.
Cursou Direito, na Universidade de Coimbra, 1767. . .

foi exilado para Angola, causa de envolvimento politico mineiro...
Faleceu a 27 de agosto de 1792, Ambaca, Angola.
*

CANTOePALAVRAS
Canto Genetlíaco; Bárbara Bela. . .
*Bárbara bela,
Do Norte estrêla,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente
Triste sòmente
As horas passo
A suspirar.
-
Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
-
Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa,
Desta fortuna
Me quer privar.
-
Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar;
Priva-me a estrêla
De ti e dela,
Busca dous modos
De me matar!
Isto é castigo
que Amor me dá!

*
ALVARENGA PEIXOTO
"Bárbara Bela"
*

VI
ALMEIDA GARRETT
João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett
Nasceu em 1799, cidade do Porto, Portugal.
Estudou Direito, na Universidade de Coimbra.Estilo Romantismo.
*
CANTOePALAVRAS
Retrato de Venus,1821; Camões,
1825 ;
Dona Branca, 1826; Lírica de João Mínimo;
Discurso, 1840; Flores sem fructo, 1845;
Romanceiro e Cancioneiro Geral; Flores sem Fruto; Folhas Caídas. . .
O Arco de Santana; Viagens na minha Terra(romance), 1846
Alfageme de Santarém (teatro), 1842;
Frei Luis de Sousa (teatro), 1844. . .
*

Pescador da barca bela,
Onde vás pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador!
-
Não vês que a última estrela
no céu nublado se vela?
colhe a vela,
Ó pescador!
-
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela. . .
Mas cautela,
Ó pescador!
-
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador.
-
Pescador da barca bela,
Ainda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!
*
ALMEIDA GARRETT
"Barca Bela"
Folhas Caídas
( Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e Pensadores
da Lingua Portuguesa ", pág. 30).
*
VII

ANTÓNIO NOBRE
António Pereira Nobre
"Anto"
Nasceu, a 16 de agosto 1867, signo de leão,
na cidade do Porto, Portugal. Cursou o primeiro ano
de Direito, na Universidade de Coimbra.
Viveu em Paris.
Participou do grupo academico "OS INSUBMISSOS"
Estilo Simbolismo.
*
CANTOePALAVRAS
Primeiros Versos, 1921; Só, 1892; Despedidas, 1902. . .
*
I
Deus fez a noite com o teu olhar,
Deus fez as ondas com os teus cabelos;
Com a tua coragem fez castelos
Que pôs, com defesa, à beira-mar.
-
Com um sorriso teu, fez o luar
( Que é sorriso de noite, ao viandante )
E eu que andava pelo mundo, errante,
Já não ando perdido em alto-mar!
-
Do céu de PORTUGAL fez a tua alma!
E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,
Da minha Noite, eu fiz Claridade!
-
Ó meu anjo de luz e esperança,
Será em ti afinal que descansa
O triste fim da minha mocidade!
*
ANTÓNIO NOBRE
" O teu retrato"
*
II
Tristezas têm-nas os montes
Tristezas têm-nas o Céu
Tristezas têm-nas as fontes,
Tristezas tenho-as eu!
-
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todos aos nós,
És tal qual meu avózinho:
Falta-te apenas a voz.
-
Minha capa vos acoite
Que é pra vos agasalhar:
Se por fora é cor da noite,
Por dentro é cor do luar . . .
-
Ó sinos de SANTA CLARA,
Por quem dobrais, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!
-
A sereia é muito arisca,
Pescador, que está ao Sol:
Não cai, tolinho, a essa isca . . .
Só pondo uma flor no anzol!
-
A Lua é a hóstia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É duma certa farinha
Que não apanha bolor.
-
Vou encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
MONDEGO, qu'é da água,
Qu'é dos prantos que eu chorei?
-
No Inverno não tens fadigas
E tens água para leões!
MONDEGO das raparigas,
Estudantes e violões!
-
- É só porque o mundo zomba
Que pões luto?
Importa lá!
Antes te vistas de pomba . . .
- Pombas pretas também há!
-
Teresinhas! Ursulinas!
Tardes de novena, adeus!
Os corações às batinas
Que diriam? Sabe-o Deus . . .
-
Ó boca dos meus desejos
Onde o padre não pôs sal,
São morangos os teus beijos,
Melhores que os do CHOUPAL!
-
Manuel no Pio repoisa,
Todas as tardes, lá vou
Ver se quer alguma coisa,
Perguntar como passou.
-
Agora, são tudo amores
À roda de mim, no Cais,
E, mal se apanham doutores,
Partem e não voltam mais . . .
-
Aos olhos da minha fronte
Vinde os cântaros encher:
não há, assim segunda fonte
Com duas bicas a correr.
-
Os peitos são dois ninhos
Muito brancos, muito novos,
Meus beijos os passarinhos
Mortinhos por porem ovos.
-
Nossa Senhora faz meia
Com linha branca de luz:
O novelo é Lua-Cheia,
As meias são pra Jesus.
-
Meu violão é um cortiço,
Tem por abelhas os sons,
Que fabricam, valha-me isso,
Fadinhos de mel, tão bons.
-
Ò Fogueiras, ó cantigas,
Saudades! recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!
*
ANTÓNIO NOBRE
" Para as Raparigas de Coimbra "
*
III
- E os teus estudos tens-me andado?
tomara eu ver-te formado!
Livre de COIMBRA, minha flor!
Mas vens tão magro, tão sumido . . .
Trazes tu no peito, escondido,
E que eu não sabia, algum amor?
*
ANTÓNIO NOBRE
" Viagens na Minha Terra " (fragmento)

( Mais Poemas . . . " Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa ", pág. 045;
"CANTO . . . os cantos", pág. XXXVIII).
*
XI

PAULINO ANTÓNIO CABRAL DE VASCONCELOS
"Abade de Jazente"
Nasceu, em 06 de Maio de 1720, Amarante, Portugal.
 fez Faculdade de Direito,
na Universidade de Coimbra.
Faleceu em 20 de Novembro de 1789...
*
I
Amor é um arder que se não sente;
É febre, que no peito faz secura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.
-
É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia, a mais cruel e a mais impura;
É frágua, que devora o fogo ardente.
-
É um triste penar entre lamentos;
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.
-
É suspiros lançar de quando em quando;
É quem me causa eternos sentimentos.
É quem me mata e vida me está dando.
*

PAULINO ANTÓNIO CABRAL DE VASCONCELOS
(Abade de Jazente)
"Poesias"
*
II
Aqui onde me trouxe o duro fado,
A passar o melhor da minha idade,
Não tenho mais que a bruta sociedade
De algum tosco vilão, que tange o gado.
-
Tudo mais é deserto inabitado,
Despenhos, principícios, soledade,
que só pode oferecer comodidade
Para algum infeliz desesperado.
-
Aqui sobre uma penha esmorecido
Fico um dia talvez, e em tal segredo,
Que até nem de mim mesmo sou sentido.
-
E então estupefacto, mudo, e quedo,
Assim estou de meus males aturdido,
Qual junto de um penedo outro penedo.
*
PAULINO ANTONIO CABRAL DE VASCONCELOS
Abade de Jazenete
"Ermo" ( soneto )
*

XII

ANTERO DE QUENTAL
Antero Tarqüinio de Quental
Nasceu em 1842, Ponta Delgada, Açores, Portugal.
Cursou Direito, na Universidade de Coimbra.
.
Participou da "Questão Coimbrã".
Depois de Camões, é tido como o melhor poeta português.
Estilo Realismo,Naturalista.

CANTOSePALAVRAS
Primaveras Românticas; Sonetos, 1880,
*
I
Aquelas nuvens, que voam,
Ninguém pode pôr-lhes mão...
São como as horas que soam,
E as aves, que em bando vão...
Como a folha desprendida,
E como os sonhos da vida,
Aquelas nuvens, que voam...
-
Às vezes o Sol, que as doura,
Parece à glória levá-las...
Mas surge o vento e, numa hora,
Já ninguém pode avistá-las!
É um convite enganoso,
Um escárnio luminoso,
Às vezes, o Sol que as doura!
-
Tantos castelos caídos!
Tantas visões dissipadas!
Gigantes, heróis perdidos,
Que mal sustêm as espadas!
Faz pena ver, lá do monte,
Nas ruínas do horizonte,
Tantos castelos caídos!
-
Aquelas nuvens que vemos,
Esses poemas aéreos,
São os sonhos que nós temos,
-
Nossos íntimos mistérios!
São espelhos flutuantes
Das nossas dores constantes
Aquelas nuvens que vemos...
-
Nossa alma vai-se com elas,
À procura, quem o sabe?
Doutras esferas mais belas
Já que no mundo não cabe...
Voando, sem dar um grito,
Através desse infinito,
Nossa alma vai-se com elas!
*
ANTERO DE QUENTAL
"Nuvens da Tarde"
Primaveras Românticas
*
II
MÃE - que adormente este viver dorido.
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas até o fio
Do meu pobre existir, meio partido. . .
-
Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio. . .
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido. . .
-
Eu dava o meu orgulho de homem - dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava,
-
Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha MÃE!
*
ANTERO DE QUENTAL
"Mãe. . ."
*
III
Chovam lírios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glória na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!
-
Dê-te estrelas o Céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palma,
E quando surge a Lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!
-
E nem sequer te lembres de que eu choro . . .
Esquece até, esquece, que te adoro. . .
E ao passares por mim, sem que me olhes,
-
Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraída ou rindo esfolhes!
*
ANTERO DE QUENTAL
" Abnegação "
Sonetos
*
IV
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade . . .
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram . . .
-
Deixá-la ir, a vela que arrojam
Os tufões pelo mar, na escuridade,
quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram . . .
-
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa . . .
-
Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto estremo . . . e a última esperança . . .
E a vida . . . e o amor . . .deixá-la ir, a vida!
*
ANTERO DE QUENTAL
" Despondency "
(Mais Poemas . . . " Os Eternos Momentos de Poetas
e Pensadores da Lingua Portuguesa ", pág. 055).

JOSÉ RÉGIO
José Maria dos Reis Pereira
Nasceu em 17 de setembro de 1901, signo de virgem,
em Vila do Conde, Portugal.
Se formou, em Filosofia Românica, na Universidade de Coimbra.
Estilo Modernista.
***
CANTOePALAVRAS
Pomas de Deus e do Diabo,1925; Biografia, 1929;
Jogo da Cabra-Cega, 1934; As Encruzilhadas de Deus, 1936;
Jacob e o Anjo, 1940; Fado, 1941;
O Príncipe com Orelhas de Burro, 1942; Mas Deus é grande, 1945;
Histórias de Mulheres, 1946; Benilde ou a Virgem-Mãe, 1947;
El-Rei Sebastião, 1949; Tres Peças em um Ato,1957; A chaga do Lado, 1954;
Filho do Homem, 1961; Há mais Mundos, 1962;
Ensaios de Interpretação Crítica (ensaio), 1964;
Tres Ensaios sobre Arte(ensaio), 1967;
Cântico Suspenso, 1968. . .
*
I
Medito o meu fado estranho:
Canto, e sei lá porque canto?
Canto, porque nada tenho
Melhor que o dom de cantar . . .
E canto, por me animar
Contra o silêncio, o vazio
Da minha vida frustada
E o frio
Que anda em meu ser,
- Como quem, noite fechada,
Passando na encruzilhada,
Por escorraçar o medo
Levanta a voz a tremer . . .
-
Ao fundo da melodia
Que até parece que fala,
- A trágica estátua cala.
Mas o doce é o ritmo que embala,
Doce a rima que alicia . . .
E eu canto, pois me alivia
Ouvir-me a mim próprio, embora
A estátua como em granito
Seus olhos só longe fite,
E erga um dedo,
Que demora,
À boca absorta no grito
Que não permite
Que grite . . .
-
E eu canto, porque desisto
De que o meu canto me exprima!
Quem me ouvira mais do que isto,
- Jogos de ritmo e rima . . .?
Sei que lá em baixo,
Lá em cima,
Sofro só, pairo calado.
Mas canto, para deixar
Um eco vibrar no ar
Do fútil som de embalar
Que o mundo que dorme estima . . .
-
Ai, coisas que raros sabem,
Mas que eu sei . . .,
Profundamente!
Os próprios raros que as sabem,
É como quem as não sente.
E eu canto-as, e é evidente
Que ninguém as reconhece
No tom que lhes dou, alheio.
Não consigo estar no meio
Nem mesmo quando parece
Que, fugido ao meu recanto,
Me achei entre a minha gente . . .
Por de mais sei isto, sei-o!.
muito mais do que isto . . . , - e canto.
-
Sim, canto,
Que é o meu destino,
Mas como grita um menino
que se agarrara à sacada
Duma casa incendiada
Em que ficara esquecido . . .
A praça, em baixo, é deserta,
O céu, lá em cima, escondido,
A noite longa encoberta,
A sacada a grande altura,
As escadas cinza e pó,
O frágil solho a ruir,
- E o grito de angústia, só
Feriu eco a tal lonjura
que ninguém vem acudir!
-
E eu sei que não vem
Ninguém,
À solidão de que morro,
Prestar a mão de socorro,
Trocar o olhar de ternura
Que me salvara do espanto.
Mas, quanto melhor o sei,
Mais creio, melhor crerei
Nesse eco a essa lonjura . . .,
-
E mais e melhor eu canto!
*
JOSÉ RÉGIO
"Fado-Canção"
Fado
*
II
Canta, canção!
-
Caindo a tarde,
É que mais longa, pela estrada,
se estira a sombra, recortada
Na extrema glória
Em que o Sol arde. . .
-
E a longa, vária, obscura história
Que a sombra escreveu nesse chão!
-
Canta, canção!
-
Já sei que, enfim, não tenho nada
Do que os mais homens julgam ter:
A minha casa era alugada,
E Eu não paguei o aluguer;
A minha casa era emprestada,
Quem ma emprestara ma levou;
A minha mesa era furtada,
Que eu furtara me furtou;
-
Tudo perdi, não tenho nada
Mais que esta sombra neste chão . . .
-
Canta, canção!
-
Minhas amantes, são de quem?
Os meus amigos vão além. . .
E os meus parentes, - espalhada,
Toda a família jaz deitada,
ou já dormindo, ou preparada
Para dormir. . .
Na escuridão.
-
Não tenho nada para vir. . .
-
Canta, canção!
Meus, só são meus filhos alheios;
Meus, só são meus estranhos seios
Que os beijos doutros fecundaram
E filhos seus amamentaram;
Minha, só minha a falsa glória
Que me fará passar à história
Para que eu morra, e nunca mais
Me conheçais;
Meu, só aquilo que não quero
Ou a que, forçado, renuncio;
Meu, só meu desepero,
Minhas, só estas mãos com frio. . .
Meus, só fantasmas e só fumo
E o vão, volúvel, vário rumo
Que o fumo faz ondear no chão. . .
-
Canta, canção!
-
Vento que vens como traiçoeiro,
Por que hás-de ser-te pesadelo?
Brinca também no meu cabelo,
Como nas tranças do salgueiro!
Luar que acendes teu rastilho
Na correnteza do ribeiro,
Veste-me a mim também de brilho,
Como a qualquer nudez de estátua!
coisa que pesa, ou sombra fátua,
Não sou inerte. . .ou passageiro?
Sol, sol que doiras os rochedos,
Na~ásses longe quando passes!
Põe também oiro nos meus dedos!
-
Dá também sangue às minhas faces!
Molha-me, chuva, quando escorres
das velhas telhas, no chão duro.
se ao que tem sede assim socorres,
Estou mais seco do que um muro!
Tudo perdi, não tenho nada:
Só o vento, o sol, a chuva, a lua,
como um mendigo numa estrada
Que só por ser comum é sua.
Só a sombra que, matéria, estendo
Tanto maior,
Sobre este chão,
Quanto mais tarde me vai sendo. . .
-
E de que mais sou eu senhor?
-
Canta, canção!
-
E abre-te, mundo! abre-te, céu!
Abre-te a quem tudo perdeu,
Quem Quer ou O Quer que substituis
Os nossos falsos céus azuis!
Abre-te, se hei-de nada ter
Por te chegar a merecer!
-
Do meu de aqui,
Tudo perdi, não tenho nada,
Estou nu, posso
Recuperar quanto perdi
Mas não já nada do só nosso,
Nem sequer sombra, sequer chão,
Sequer estrada. . .
-
Canta, canção! Canta, canção!
*
JOSÉ RÉGIO
" Canção da tarde."
Mas Deus é Grande.
*
III
"Aos meus colegas do IV ano de Letras."
*
Na Pêndula do Tempo a hora vai bater
Em que, segundo a praxe e o velho mandamento,
As nossas fitas vão, junto das mais, arder,
Ser fumo, cinza e pó - que se atirou ao vento . . .
-
Mas inda na Ampulheta a areia vai caindo.
Eis que inda na Ampulheta areia há por cair . . .
Podemos inda rir um rir que seja lindo!
- Mais terde . . .é que se ri sem que se saiba rir.
-
Como inda nenhum é " Senhor Doutor Fulano ",
Rindo e folgando, pois, mostremos nossas fitas!
Se toda a gente as vir, não pode haver engano:
Vai toda a gente ver que são as mais bonitas . . .
-
Verão como este azul que se lhes escolheu
Diz muito, porque em si resume, com certeza,
Um outro mais claro - o azul do nosso céu
E um roxo que é, na cor,«Saudade Portuguesa» . . .
-
Deixá-las, pois, voar à luz do Sol e ao vento!
Ergamo-las no ar, tal qual num brinde as taças!
Se há um momento só, gozemos um momento.
Depois . . .começa a Vida: um jogo de trapaças.
-
E adeus, tardes sem nome em que Inês morta vinha
Dizer o seu «Desvayro» às águas murmurosasa!
E adeus, manhãs de Abril em que Isabel, Rainha,
Espalha pelos seus seu avental de rosas!
-
E adeus, Outonos de Anto, o médium de olhos fundos,
Que em sua Torre, só, dá audiência aos mortos!
E adeus, noites de Antero, o louco de outros mundos,
Que grita a sua angústia aos mudos céus absortos!
-
E adeus, COIMBRA velha e sempre tão menina,
Onde estudou CAMÕES, e foi a flor dos moços!
E adeus, boémia alegre, e vós, capa e batina,
E banzas que dão ais . . . mais tristes do que os nossos!
-
E adeus, MONDEGO fiel, que a todos nos embalas,
Fogueiras de São João, fadinhos cheios de ais,
Trincanas de olhar verde e com tão lindas falas,
- Adeus pra todo o sempre! adeus pra nunca mais!
-
Que as nossas fitas, pois, voem batendo ao vento,
Quais lenços a acenar aos cantos duma pasta!
E em breve( a praxe o manda, é velho o mandamento)
Que serão elas? Pó - um pó que o vento arrasta . . .
*
JOSÉ RÉGIO
" Na Queima das Fitas de 1922 a 1923 "
(Mais Poemas . . ." Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa ", pág. 050;
"Donde Borbota, minha Saudade", pág. 193).
*
XXII

CARLOS DE OLIVEIRA
Carlos Alberto Serra de Oliveira
Nasceu em 10 de agosto de 1921, signo de leão,
Belém , Estado do Pará, Brasil.

Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas,
na Universidade de Coimbra. . .
*
CANTOePALAVRAS
Turismo, 1942; Mão pobre, 1945; Colheita perdida, 1948;
Descida aos infernos, 1949; Terra de harmonia, 1950;
Cantata, 1960; Poesias, 1945/60; Sobre o lado esquerdo, 1961/62;
Micropaisagem, 1963/65; Entre duas memórias, Trabalho poético, I e II. . .
Casa na Duna (romance), 1943; Alcatéia (romance) 1944;
Pequenos burgueses (romance), 1948;
Uma abelha na chuva (romance),1953; Finisterra ( romance), 1979. . .

I
Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram as casa e os homens
nas colinas da vida.
-
Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outras dores que não foram perdoadas.
-
Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra herança;
o oiro depositado
nas margens da lembrança.
*
CARLOS DE OLIVEIRA
"Elegia de Coimbra"
*
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas
e Pensadores da Língua Portuguesa", pág. 179)

XXIII

FERNANDO ASSIS PACHECO
Fernando Santiago Mendes de Assis Pacheco
Nasceu em 1937, Coimbra "Aeminium", Portugal.
Fez a faculdade de Filosofia Românica. . .
*
CANTOePALAVRAS
Cuidar dos vivos, 1963; Cânkiên: um resumo, 1972;
Viagem na minha guerra, 1972; Memórias do Contencioso, 1976;
Catalabanza, Quilolo e volta, 1976; Siquer este refúgio, 1976;
Memórias do Contencioso e Outros poemas, 1981. . .
*

começam a morrer os últimos pianos do século
arrefece o estio na cabeça
agora almoço e já cai o crepúsculo
esse que me fugia por aí esse tempo
-
o mesmo rio não se contempla duas vezes no rosto do homem
debruçado fumando no molhe do marégrafo
a mesma Barra de Aveiro não é a mesma
o engenheiro Oudinot sentiria um aperto de coração idêntico
-
tive todas as alegrias e melancolias assim dito por alto
próprias das idades sucessivas mas nenhuma
que iludisse deveras a velha constatação jónia
cada gesto de mão é sempre um outro
-
nem sou se quer quem muda mas um outro.
*
FERNANDO ASSIS PACHECO
"Barra de Aveiro: Um agosto."
Memórias do contencioso e outros poemas

XXV

PEDRO ANTÓNIO CORREIA GARÇÃO
Córidon Erimanteu(peudónimo)
Nasceu a 29 de abril de 1724, signo de touro, em
Lisboa(Olissipo), capital de Portugal.
Filho de Filipe Correia da Silva( oficial maior da Secretaria
dos Negócios Estrangeiros), e de Liísa Maria da Visitação
D'orgier Garção (origem francesa).
Estudou direito na Universidade de Coimbra.
Sabia falar Francês, Inglês,Italiano.
Seu pai morreu no terramoto de Lisboa em 1755.
Integrou a " Arcádia Lusitana", ou "Ulissiponense",1756
Junto, com Cruz de Silva, Esteves Negrão . . .
Estilo Arcádio.
Faleceu em 1772, Lisboa, Portugal.
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CANTOePALAVRAS
Obras. . .
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Ainda que o céu sereno, o dia claro
Doce prazer inspire
Aos míseros mortais, aos namorados;
Pesada escura sombra
O coração me cobre;feias trevas
Onde a memória pasma,
Mais longa a saudade representam.
Nem sequer falsos sonhos
Com doce engano aquela luz me fingem,
Por quem sempre suspiro.
Vem, bela Márcia, vem, porque em teus olhos
Me trazes sol e dia,
Em teus formosos olhos me amanhece
A mais gentil aurora;
Em teus formosos olhos vem os raios
Que douram estes montes;
Que a seca terra cobrem de mil flores,
Que no meu peito acendem
Doces desejos, doces esperanças,
Finíssimos amores.
Mas já Favónio fresco brandamente,
Dos álamos as folhas
com seus sonoros sopros levantando,
A vinda me anuncia
Dos vencedores olhos porque espero,
dos olhos por quem morro.
Ah! que já chega Márcia, socegai-vos,
Meus cansados desejos;
Socegai, esperanças, que já vejo
Nascer o meu bom dia.
*
PEDRO ANTÓNIO CORREIA GARÇÃO
"Ode"

* datas aproximadas