quinta-feira, 21 de maio de 2009

122 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

MANUEL ALEGRE
Nasceu a 12 de maio de 1936, signo de touro,
Águeda, Portugal.
Estudou em Coimbra, na "Faculdade de Direito",
participou em vários grupos teatrais...

HOMENAGENS
"Grão-Cruz da Ordem da Liberdade";
"Comenda da Ordem de Isabel, a Católica"
"Medalha de Mérito do Conselho da Europa"
"Medalha a Cidade de Veneza (La Porta D'Oriente-
Viaggi e Poesia)"1999
"Medalha de Ouro Cidade de Águeda"
"Ordem Mérito Nacional da Argélia (Djadir)"
Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa
de Autores", 2008
"Grande Oficial da Ordem da Estrela
da Solidariedade Italiana", 2008. . .
**
PREMIOS
"Premio Literatura, Infantil António Botto", 1998;
"Premio da Critíca Literária" 1998;
"Grande Premio de Poesia da Associação
Portuguesa de Escritores", 1998;
"Premio Pessoa", 1999;
"Premio Fernando Namora"1999;
"Premio D. Dinis" 2008. . .
****
CANTOePALAVRAS
A Praça da Canção, 1965; Canto e as Armas, 1967;
Um Barco par Ítaca, 1971; Letras, 1974;
Coisa Amar, Coisa do Mar, 1976;
Nova do Achamento, 1979; Atlântico, 1981;
Babilônia, 1983; Chegar aqui, 1984;
Aicha Conticha, 1984; Rua de Baixo, 1990;
A Rosa e o Compasso, 1991; Com Pena, 1992;
Sonetos do Obscuro Quê, 1993; Alma (prosa), 1995;
Trinta Anos de Poesia, 1995; Coimbra nunca vista, 1995;
Pico, 1998; As Naus de Verde Pinho, 1996;
Alentejo e Ninguém, 1996; Doze Naus (Premio D.Dinis), 2007;
Escrito do Mar, 2007; Terceira Rosa, 2009. . .
***
I

É possível falar sem um nó na garganta
É possível amar sem que venham proibir.
É possível correr sem que seja a fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
. **** .
É possível andar sem olhar para o chão
É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetece dizer não, grita comigo: não!
. **** .
É possível viver de outro modo.
É possível transformar em arma a tua mão.
É possível viver o amor, É possível o pão.
É possível viver de pé.
. **** .
Não te deixes murchar. Não deixes que te domen.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre, livre, livre.

MANUEL ALEGRE
"Letra para um Hino"
Canto e as Armas

II
Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures no mar
e qye esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.
**
Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poemas me dizem que tu és.
***
Ouvi dizer que há um veleiro que saiu do quadro
é ele que vem talvez na nuvem perigosa
esse veleiro desaparecido que somos todos nós.
Da minha janela vejo-o passar no vento sul
outras vezes sentado olhando o ângulo mágico
sinto a sua presença logarítmica
vem num alexandrino de Cesário Verde
traz a ferragem e a maresia
traz oteu corpo irrepetível
o teu ventre súbitamente perpendicular
à reta do horizonte e dos presságios
ou simplesmente a outra margem
o enigma cintilante a florir no cedro em frente
qual é esse País pergunto eu
qual é esse País onde tudo existe e não existe
qual é esse País onde chega este perfume
este sabor a alga e despedida
esta lágrima só de o pensar e de sentir.
****
Não é apenas um lugar físico algures no mapa
é talvez o adjetivo ocidental
o verbo ocidentir
o advérbio ocidentalmente
quem sabe se o substantivo ocidentimento.
Está na palma da mão no nervo do destino
e também no teu corpo aberto ao vento do nordeste
é talvez o teu rosto alegre e triste - esse País
que existe e não
existe.
*****
Eu não sei de que cor são os navios
sei que por vezes
no mais recôndito recanto
no simples agitar de uma cortina
numa corrente de ar
num ritmo
há um brilho súbito de estrêla e bússola
uma agulha magnética no pulso
um mar por dentro um mar de dentro um mar
no pensamento.
******
Há um eu errante e mareante
não mais que um signo
um batimento
um coração polar
algo que tem a cor do gelo e do Antártico
e sabe a sul a medo a tentação
uma irremediável navegação interior
um navio fantasma amor fantástico.

MANUEL ALEGRE
"Coração Polar"
Senhora das Tempestades
*
III
Quem poderá doma os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?
-
Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu País?
-
Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
Pátria viúva
a dor que passa?
-
Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?
***
MANUEL ALEGRE
"Canção tão simples"
*
IV
Se me desta terra for
eu vos levarei amor.
Nem amor deixo na terra
que deixando levarei.
-
Deixo a dor de te deixar
na terra onde amor não vive
na que levar levarei
amor onde só dor tive.
-
Nem amor pode ser livre
se não há na terra amor.
Deixo a dor de não levar
a dor de onde amor não vive.
-
E levo a terra que deixo
onde deixo a dor que tive.
Na que levar levarei
este amor que é livre livre.
***
MANUEL ALEGRE
"Sobre um mote de Camões"
***
V
Eu podia chamar-te Pátria minha
dar-te o mais lindo nome português,
podia dar-te um nome de rainha,
que este amor, é de Pedro por Inês.
-
Mas não há forma, não há verso, não há leito
para este fogo, amor para este rio.
Como dizer um coração, fora do peito?
Meu amor transbordou. E eu sem navio.
-
Gostar de ti, é um poema que não digo,
que não há taça, amor para este vinho,
não há guitarra, nem cantar de amigo,
não há flor, não há flor de verde pinho.
-
Não há barco, nem trigo, não há trevo
não há palavras, para te dizer esta canção.
gostar de ti, é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem leito. E eu sem coração.
**
MANUEL ALEGRE
"Uma Flor de Verde Pinho"
***
VI
Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um País que levo.
Sou este povo, que a si mesmo se desterra
meu nome são três sílabas de trevo.
-
Há nevoeiro em mim. Dentro de abril dezembro.
Quem nunca fui, é um grito na memória.
E há um naufrágio, em mim, se de quem fui me lembro
há uma história, por contar na minha história.
-
Trago no rosto, a marca do chicote.
Cicatrizes, as minhas condecorações.
Nas minhas mãos, é que é verdade D. Quixote
trago na boca, um verso de Camões.
-
Sou este camponês, que foi ao mar
lavrou as ondas, e mondou a espuma
e andou achando como a vindimar
terra plantada, sobre o vento e a bruma.
-
Sou este marinheiro, que ficou em terra
lavrando a mágoa, como se lavrar
não fosse mais do que a perdida guerra
entre o não ser, na terra, e o ser no mar.
-
Eu que parti, e que fiquei sempre presente,
eu que tudo mandava, e nunca fui senhor,
eu que ficando estive sempre ausente,
eu que fui marinheiro, sendo lavrador.
-
Eu que fiz Portugal, e que o perdi
em cada porto, onde plantei, o meu sinal.
Eu que fui descobrir, e nunca descobri
que o porto por achar, ficava em Portugal.
-
Eu que matei, roubei, eu que não minto
se vos disser, que fui pirata e ladrão.
Eu que fui como Fernão Mendes Pinto,
o diabo, e o deus da minha peregrinação.
-
Eu que só tive restos, e migalhas
e vi cobiça, onde diziam haver fé.
Eu que reguei de sangue, os campos das batalhas
onde morria, sem saber porquê.
-
Eu que fundei Lisboa, e ando a perdê-la em cada
viagem.(Pátria-Penélope bordando à espera.)
Eu que já fui Ulisses. (Ai do Lusíada:
roubaram-lhe Lisboa, e a primavera.)
-
Eu trago no corpo, a marca do chicote,
eu trago na boca, um verso de Camões,
eu é que sou capaz de ser o D. Quixote,
que nunca mais confunda, moinhos, e ladrões.
-
Eu que fiz tudo, e nunca tive nada,
eu que trago nas mãos o meu País,
eu que sou esta árvore arrancada,
este lusíada sem Pátria em Paris.
-
eu que não tenho, o mar nem Portugal.
(E foi meu sangue, o vinho meu suor o pão.)
eu que só tenho as lágrimas de sal
que me deixou El-Rei Sebastião.
-
Lusíada exilado, (E em Portugal: muralhas.)
Se eu agora morresse sabia por quê.
Venham tormentas, e punhais, Quero batalhas.
Eu que sou Portugal, quero viver de pé.
***
MANUEL ALEGRE
"Lusíada Exilado"


▬▬

Nenhum comentário: